Saúde de trabalhadores expostos ao benzeno

27 jan 2020 Materias

Ao abastecer um carro, o frentista está exposto aos vapores de diversas substâncias que compõem a gasolina, entre elas, o benzeno. A exposição torna-se maior com outras atividades no posto, como transferir para reservatórios subterrâneos o combustível trazido da distribuidora e se acumula conforme o tempo de serviço nesses ambientes. Não há “paninho” em volta da mangueira que dê jeito.

“é comum trabalhador reclamando de dor de cabeça, cansaço, tontura, irritação nos olhos e na pele, ânsia de vômito. Além de tudo isso, as frentistas correm outros perigos. A gente sabe que, durante a gravidez, o benzeno pode até causar abortos e mal formações” diz o secretário-geral do Sindicato dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo de Campinas e Região (Sinpospetro), Raimundo Nonato de Souza, o Biro.

De acordo com o dirigente, os trabalhadores, mesmo assim, seguem firmes no trabalho. “Faltam só quando o caso se agrava para uma doença séria. O problema é que, quando isso acontece, não conseguem comprovar que a doença começou no trabalho e dificilmente vão conseguir a aposentadoria especial de direito”, ressalta Biro.

Assim como os frentistas, trabalhadores da extração e refino de petróleo, petroquímicas, siderúrgicas e outras empresas que utilizam benzeno na produção estão expostos aos riscos à saúde causados pelo agente químico. Volátil, inflamável e explosiva, essa substância derivada do petróleo, também presente em óleos lubrificantes, querosene, solventes, tintas, asfalto e na queima de carvão mineral, pode causar males ainda mais graves que os listados por Biro: com o passar do tempo, podem levar a dificuldades respiratórias, convulsões, perda de consciência e diversas doenças no sangue que podem matar, como a leucemia.

Todo esse dano à saúde é conhecido desde a década de 1930, mas só em 1994 o governo brasileiro incluiu na categoria dos agentes cancerígenos a substância para a qual não existe limite seguro de exposição. No ano seguinte, trabalhadores, governo e empregadores brasileiros assinaram o Acordo do Benzeno.

O documento instituiu a Comissão Nacional Permanente do Benzeno, com comissões regionais e toda uma legislação para regulamentar a produção, uso e a segurança dos trabalhadores. Entre elas, a permissão do uso somente em setores nos quais o agente ainda não pode ser substituído, como extração e refino de petróleo, petroquímicas, indústrias gráficas, calçadistas, de couro, tintas e vernizes.

“Outro avanço trazido é a obrigatoriedade de cadastramento dessas empresas, que ficam obrigadas também a acompanhar periodicamente a saúde dos trabalhadores do setor. A cada seis meses, eles fazem exame de sangue”, explica a tecnologista Elisabeth Aparecida Trevisan, da Fundação Jorge Duprat e Figueiredo (Fundacentro), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego.

Quando o teste traz alterações ou em caso de acidentes, como vazamentos, o trabalhador é submetido a um exame que mede a exposição ao benzeno no ambiente de trabalho e permite estimar o risco ao levar em conta as formas de exposição e de absorção pelo organismo – o chamado indicador biológico de exposição.

Trata-se de uma substância bioquímica, constituinte do próprio organismo, cuja concentração (ou atividade) em tecidos, no sangue, na urina ou mesmo no ar exalado tem relação com a exposição ambiental a um determinado agente tóxico. No caso do benzeno, ao ser inalado ou absorvido pela pele é transformado no fígado – a biotransformação – e excretado na urina.

Atualmente, o indicador utilizado no Brasil para o benzeno é o ácido trans, transmucônico na urina (AttM-U), que substituiu um mais antigo, chamado fenol urinário, que demonstrou ter baixa sensibilidade quando a concentração do benzeno no ar é baixa, inferior a 1,0 ppm. Entre as vantagens do AttM-U estão a sensibilidade e a simplicidade de análise. Porém, estudos mostram que esse indicador é `mascarado` por fatores ambientais e individuais, como o hábito de fumar, alimentação e até mesmo aspectos genéticos.

Isso porque substâncias presentes no cigarro (entre elas o próprio benzeno), nas bebidas, em alguns conservantes alimentícios e até certas características genéticas podem interferir na biotransformação e alterar o resultado. “Isso prejudica o trabalhador porque muitas vezes o empregador questiona os resultados dos exames, alegando que o trabalhador não foi exposto ao benzeno e sim que fumava demais ou tinha problemas na alimentação”, aponta Newton Siqueira, diretor do Sindicato dos Químicos da Bahia.

Existem outros indicadores biológicos de exposição ao benzeno, como o ácido fenil mercaptúrico, que é avaliado por médicos do trabalho para a possível inclusão no Protocolo para Utilização de Indicador Biológico da Exposição Ocupacional ao Benzeno. Instituída pela Portaria 34, de dezembro de 2001, a diretriz ainda não foi atualizada.

Para discutir as vantagens e desvantagens dos indicadores disponíveis, trabalhadores e representantes dos ministérios da Saúde, do Trabalho e Emprego e de empregadores estiveram reunidos no começo desta semana, na sede da Fundacentro, em São Paulo.

“Essa discussão é importante para aprimorarmos a quantificação e qualificação da exposição, com parâmetros que associem entre si todos os efeitos tóxicos do benzeno sobre o trabalhador. Sem isso, fica impossível estabelecer o nexo entre a doença e a exposição a agentes tóxicos no ambiente de trabalho”, explica a professora do Departamento de Análises Clínicas e Toxicologia da Universidade Federal de Minas Gerais Leiliane Coelho André.

A pesquisadora e professora de Toxicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Solange Garcia, destaca que, nos últimos anos, aumentou o número de estudos para avaliar os prós e contras dos diversos marcadores biológicos. “Seja qual for (o marcador biológico), seus dados mostram que a exposição, mesmo em baixas concentrações, traz muitos prejuízos à saúde, o que reforça a necessidade de aprimoramento da vigilância para que os problemas não venham a ser detectados quando pouco se pode fazer pela qualidade de vida de um trabalhador que adoece”, diz.

Fonte: Revista Proteção

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